Em operação no Brasil desde 2007, a televisão digital ainda está longe de ter seus recursos explorados ao máximo. Mas não faltam projetos. A Fundação CERTI, instituto de pesquisa vinculado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desenvolveu, ainda em 2009, um projeto de comércio por meio da TV – o T-Commerce. Segundo os pesquisadores, o sistema ainda não foi colocado em prática pela penetração pequena dos aparelhos digitais nas residências brasileiras e pela falta de alinhamento entre emissoras, fabricantes e governo para a concepção de um modelo de negócios. A aplicação foi pensada com base no padrão de middleware Ginga, desenvolvido para gerenciar as funções de interatividade do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). O coordenador da área de Televisão Digital e Sistemas Embarcados da Fundação CERTI, Andrei Biscaro, explica que o sistema permite que sejam oferecidos produtos de diversas categorias, durante programas ou até mesmo comerciais. “Uma vez que o produto chama a atenção do usuário, ele pode buscar mais informações e consegue efetivar a compra”, detalha Biscaro. Essas informações chegam ao aparelho pelas ondas de radiofrequência. Mas, para que o usuário conclua a operação, a televisão deve estar conectada à internet, seja por cabo, wi-fi ou modem, conforme o modelo do dispositivo. A exposição dos produtos pode ocorrer de duas formas, projeta o coordenador da Fundação. No primeiro modelo, o catálogo seria oferecido conforme a ordenação listada pela emissora, sem relação obrigatória com o conteúdo veiculado naquele momento. Outra possibilidade, especifica Biscaro, seria manter uma sincronia entre o vídeo e os produtos projetados visualmente. O vestido utilizado por uma atriz em determinada cena, por exemplo, poderia estar à venda enquanto exibido no vídeo. O coordenador assegura que o padrão adotado no País tem suporte para metadados, viabilizando a sincronia das imagens com a aplicação. “É uma das inovações do padrão brasileiro”, frisa. Em ambos os modelos, contudo, a responsabilidade pelo conteúdo do catálogo de compras é da emissora. Os métodos de pagamento disponíveis para as compras via T-Commerce são semelhantes aos oferecidos por um site, observa o professor do Departamento de Informática e Estatística da UFSC, Frank Siqueira, que participou do desenvolvimento do projeto na época. Poderiam ser utilizados na operação cartões de crédito ou contas em integradoras (como o PayPal). Falta de acordo prejudica implementação do sistema Apesar do projeto estar formatado, o T-Commerce ainda não está ao alcance dos consumidores por diversos fatores. O pesquisador Bruno Cavaler Ghisi, que também fez parte do grupo da Fundação CERTI e hoje tem a própria empresa de marketing digital, ressalta que a discussão em torno do software (middleware) que permita rodar esse tipo de aplicação ainda está em andamento. “Quando se tenta padronizar algo entre um grupo, tende a demorar mais do que se alguma empresa fosse criar uma solução apenas para a sua televisão”, avalia. Biscaro afirma que a penetração do Ginga nos televisores brasileiros ainda está em expansão – a obrigatoriedade do embarcamento do software em pelo menos 75% dos aparelhos fabricados no Brasil, determinada pelo governo este ano, deve ocorrer até 2013. Mesmo assim, o coordenador entende que não há movimentos para uma negociação concreta de implementação do T-Commerce. O modelo de negócios também é um problema. Ghisi sustenta que é complexo elaborar um plano que agrade fabricantes de televisores, emissoras, geradores de conteúdos, anunciantes e outros envolvidos no processo. Para Biscaro, falta alinhamento entre as necessidades da cadeira de valores. “A tecnologia é totalmente viável, mas não adianta a emissora produzir o conteúdo e não ter estrutura para exibir isso, ou vice-versa”, diz. “O projeto foi até o ponto da apresentação do potencial. Uma emissora deveria transmitir e criar um modelo de negócios”, opina o coordenador da Fundação CERTI. Um último obstáculo, lembrado por Siqueira, é a penetração da TV digital no Brasil. Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 46,8% da população tinha acesso à transmissão digital em maio de 2012. O sinal é ofertado por 102 emissoras e chega a 480 municípios (nesse levantamento, Acre e Rondônia registram cobertura digital). Com exceção de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná, a TV digital se concentra nas capitais e regiões metropolitanas. Siqueira aposta no corte do sinal analógico, previsto para 2016, para alavancar a penetração da nova tecnologia no País. “Talvez ainda leve um tempo para se tornar realidade, mas a constante substituição deve ajudar”, analisa.