Lá está Deivid deitado no gramado de uma pequena praça em frente ao Shopping Vila Olímpia, na zona oeste de São Paulo. Veste a roupa de trabalho: bermuda tactel, camisa de algodão, chinelos e óculos escuros. Com o celular na bolsinha de plástico pendurada no pescoço, cruza os braços, fecha os olhos e tenta um cochilo. Por ali passam pedestres, patinetes, bikes e carros, tudo ao mesmo tempo. São 15h30 de quarta-feira.
Alheio ao movimento, Deivid Luiz Moraes, de 29 anos, descansa antes de voltar ao batente. Mantém a bicicleta de serviço encostada em uma árvore, sem trava. Amontoam-se bikes e, ao lado de cada, pontilham a grama bolsas térmicas coloridas: Glovo (amarela), Rappi (laranja), iFood (vermelha) e Uber Eats (preta e cinza). São cerca de 15, de Deivid e outros colegas, que trabalham como bikeboys – tipo motoboys, mas de bicicletas.
A atividade é recente, mas já se espalha pela cidade, principalmente no entorno da ciclovia da Avenida Faria Lima. Os entregadores têm entre 18 e 30 anos. A maioria que estaciona a bike na praça sai da periferia da zona sul toda manhã – incluindo finais de semana – e pedala rumo à pracinha na zona oeste. Ali, entre as Ruas Gomes de Carvalho e Vicente Pinzon, criaram um ponto, onde esperam a hora do almoço e do jantar: é quando o celular toca os chamados dos restaurantes, com pedidos de clientes dos aplicativos de comida. Por volta das 15 horas, os pedidos de comida por app cessam. Até 18 horas, eles mantêm o aplicativo desligado e descansam. Em um dia bom, conseguem ganhar com o valor do frete e de incentivos dos apps até R$ 400. Em um dia ruim, R$ 100.
A praça é estratégica: perto de área comercial, com muitos restaurantes e dois shoppings – onde eles usam banheiro e enchem a garrafa d’água. Além disso, na própria praça carregam o celular em um totem de uso público e sentam nos bancos para almoçar. Dali, os bikeboys podem ser vistos em Pinheiros, Itaim Bibi, Jardins, Moema, Nova Monções, Indianópolis e Novo Brooklin – regiões a até 2 quilômetros de distância deles.
“Fim de semana é o que bomba. Quem não vem perde dinheiro”, diz Deivid, que pedala 18 quilômetros desde o Campo Limpo, zona sul. “Mas o melhor dia mesmo é quando chove. A gente fica molhado, mas ganha bem.” Desde 1.º de novembro, ele trabalha de bikeboy. “Bicicleta não é tão cara, ainda tem essas que alugam. E telefone todo mundo tem”, diz.
Além disso, os bikeboys, em geral, bancam a mochila térmica. Também fica com eles a responsabilidade de providenciar equipamentos de segurança. A maioria não usa e já há relatos de acidentes, até com outros ciclistas. Tem bikeboy, como o Rodrigo Portela, de 25 anos, que não tem ainda bicicleta própria e paga o plano mensal de bikes compartilhadas. “O ruim é só porque preciso trocar de bicicleta antes de completar um hora, senão pago R$ 5. Se estou em uma corrida longe das estações onde deixo a bicicleta, acabo tendo de pagar. Isso acontece ao menos uma vez por dia”, relata.
Apps
O iFood informou que o uso de bicicletas para entrega está “ainda em fase de teste” e destacou o fato de o modal ser “eco-friendly”. Em caso de acidente com o bikeboy, o Rappi informou que dá suporte aos entregadores. Afirmou também que tem uma equipe dedicada a ajudar em qualquer situação do tipo ou “postura indevida dos entregadores”. Procurados pela reportagem, Glovo e Uber Eats não se manifestaram.